segunda-feira, 7 de novembro de 2011

História nada inglória

Se quem me lê agora se lembra das aulas que teve sobre História do Brasil, muito provavelmente se deparou com horas de decoreba e textos inglórios. Uma pena que o formato dos livros e das aulas de outrora tenham espantado a gente desse assunto.
Redescobri recentemente a História do Brasil contada por Laurentino Gomes, escritor e jornalista, que lançou o premiado (e hilário!) 1808, sobre a chegada da família real portuguesa ao Brasil e o 1822, contando os percalços para a Independência do país.
O legal de ambos os livros é o aspecto pitoresco da História. Em suma: as fofoquinhas! Aquele tipo de coisa que, se fosse hoje, estaria bombando nos twitters e blogs da vida. Por exemplo: D. Pedro I, no auge de suas cartinhas para a amante Domitila (marquesa de Santos) já dava mostras da sua verve latin lover, assinando como “Fogo, foguinho” ou “Demonão”. Em uma de suas missivas, dizia estar com saudade da amante e lhe mandava dois fios do bigode. Mas alguns estudiosos, segundo o livro, acreditam que esses fios não eram do bigode não, mas de outro lugar (como eles chegaram a essa conclusão, não está escrito...).
Um dos capítulos do 1822, intitulado “Maçonaria” foi muito revelador e me remeteu a um fato pitoresco da minha própria infância. Eu tinha uma amiguinha que era protestante e, ao lado da casa dela, havia uma casa Maçom. Ela acreditava que aquilo estava ligado a alguma coisa do demônio e eu também ficava morrendo de medo. Alguns homens bem vestidos costumavam chegar ao local e nós, da janela, ficávamos especulando qual tinha mais cara do capeta. Engraçado como aquela impressão de criança me acompanhou um tempão.
Inclusive fiquei sabendo, certa vez, que os maçons terminavam a assinatura sempre com três pontinhos. Então, um dia, na padaria, presenciei um homem assinando o cheque dessa forma. Imediatamente associei o cidadão aos integrantes da seita do filme O bebê de Rosemary. Ah, as impressões de infância grudam mesmo...
Bem, mas o livro é bastante revelador sobre a importância dos maçons na nossa história. Segundo o livro:

Numa época em que não havia partidos políticos organizados, foi o trabalho dessa sociedade secreta que levou a semente da independência às regiões mais distantes e isoladas do território brasileiro(...) Nas reuniões das maçonarias conspirava-se pela implantação das doutrinas políticas que estavam transformando o mundo.”

Pelo que eu li, eram geralmente profissionais altamente qualificados e reuniam conhecimentos diversos como Engenharia, Arquitetura, História, entre outras qualificações, o que lhes assegurava tratamento privilegiado.

Como se vê, nada a ver com os assuntos do gramunhão! Quase fiquei triste com a perda do mito que me assombrou durante a infância. Talvez seja o caso de eu rever essa minha amiga do passado e trocar essas ideias sobre aqueles homens que chegavam à reunião dos maçons. Compartilhar com ela partes da História que nunca nem sequer aventamos, mergulhadas na nossa ignorância e inocência. É claro que nem sempre tive essa ideia deturpada da maçonaria, mas as lembranças, ah... as lembranças são mesmo danadinhas...Como escreveu Gabriel Garcia Marquez um dia “ A vida não é a que a gente viveu, e sim a que a gente recorda, e como recorda para contá-la”. Nem que seja num blog mequetrefe...

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Quero ser o Dr. House

Você é aquele tipo de pessoa que consegue caminhar tranquilamente pela cidade, elegante e atento? Quando te chamam, você não se assusta feito um criminoso, mas atende o chamado placidamente e olha para trás para ver quem te chamou, jogando os cabelos lentamente, como numa propaganda de shampoo? Pois é, amigos. Certamente você não é, então, um distraído de carteirinha. Anos atrás, por exemplo, na minha mania de andar apressadamente mas com a cabeça na lua, ao desviar de uma pequena multidão de pessoas na praça da Sé, caí num buraco da prefeitura que estava em manutenção. Não, não foi grave. Foi só vexatório. Os trabalhadores, que estavam almoçando perto dali, largaram as marmitas e vieram me puxar do “abismo” (fiquei até o meio do joelho numa terra vermelha e meio fedorenta). Por que eu não vi o buraco? Ora, porque estava pensando na morte da bezerra! É isso que dá ser distraído: você paga proporcionalmente o preço do ridículo.
E a coisa não fica por aí. Cansada de esquecer sempre o lugar onde estaciono o carro em shoppings, decidi não dar moleza para a minha distração. Saí, um dia, do veículo, vi que parara na rua “H” e fui mentalmente guardando o mantra: rua “H” de Hilário, Hortênsia, Hortolino. Na hora de ir embora, percebi então que o “H” decorado não era a letra da rua, mas o indicativo de “Hidrante”. Chamei aquele moço da moto que fica procurando o carro dos tontos e, para disfarçar, fiz um arremedo de sotaque do sul: “barbaridade! Mas esses shoppings de vocês, paulistas, são grandes demais!”.
E quando alguém me chama e estou distraída, então? Dou cada pulo que assusto até quem quer falar comigo...É duro ser avoada.

Pois é, já estava me sentindo desacorçoada quando, dia desses, li na Folha de São Paulo um artigo que dizia: “Pessoas distraídas são mais criativas que as concentradas”.

Me interessei na hora!

O artigo dizia que “trabalhos recentes têm demonstrado que a distração está vinculada à criatividade, especialmente na hora de resolver problemas complexos (....). A prática de dar um tempo costuma trazer a resposta para um problema, como mágica”.

Aí eu me animei ainda mais na matéria, que prosseguia: “É só assistir ao seriado House para entender como isso funciona. O médico Gregory House e sua equipe são escalados para diagnosticar e tratar apenas os casos mais cabeludos (...) Eles passam três quartos do programa raciocinando logicamente sobre sintomas, tratamentos e doenças. Mas só no fim do episódio, quando House se distrai, uma resposta clica no seu cérebro”.

Tcharãm..... não é legal, meu povo?!!!

É claro que em algum ponto da matéria foi dito que distração em excesso combinava com esquizofrenia. “O cérebro dos esquizofrênicos e dos criativos têm um sistema semelhante do neurotransmissor dopamina”, alertava o texto.

Mas essa parte eu decidi ignorar....

Pois é... aí eu fiquei pensando.... e os poetas, por exemplo? São distraídos? Não, não, não.... Essa palavra é muito comezinha para se aplicar a eles. Na verdade, o poeta está sempre em estado de “devaneio”, o que é muuuuuuuuuito diferente, entenderam?
No livro “A poética do devaneio”, Gaston Bachelard conta sobre Victor Hugo:

“Victor Hugo saíra ao crepúsculo(...) A noite chega, a cidade se cala, onde está a cidade? Aquilo não era nem uma cidade, nem uma igreja, nem sombra, nem nada: era devaneio. ‘Fiquei imóvel por muito tempo, deixando-me penetrar suavemente por esse conjunto inexprimível, pela serenidade, pela melancolia da hora(...) não sei o que se passava no meu espírito...’”

Está vendo? Victor Hugo estava como? Nada mais, nada menos que .... distraído, ou, usando uma palavra mais charmosa: devaneando....

Portanto, de agora em diante não vou mais me sentir um paninho de chão quando for criticada por ser distraída. Vou sair com a máxima do Dr. House sobre a criatividade (embora os meus insights sejam muito furrecas...) ou, então, dizer: caríssimos, não estou distraída, ora pois.... estou devaneando. E voltarei meus pensamentos para as nuvens, onde eles costumam caraminholar soltinhos.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Para viajar na viagem

Para viajar na viagem

Ricardo Freire é um escritor-pluma. Explico: ele escreve sobre viagens. E de uma maneira tão leve e divertida que mesmo que vc não seja afeito às perambulações pelo mundo, acaba rindo à beça das fanfarronices dele. Além de livros, ele tem um site muito bacana que se chama viaje na viagem (coloque no google para ver) que dá dicas preciosas dos lugares por onde já passou. Ricardo Freire é um ex-publicitário (é dele a frase “não é nenhuma Brastemp”) e agora ganha a vida como “turista-profissional”, como se autodefine. Suas dicas não são um guia de viagem clássico. Trata-se, segundo ele, “de reflexões bem-humoradas sobre o direito de ir e vir”.
Pois foi no Ricardo Freire em quem meu husband e eu nos inspiramos em julho para encampar uma viagem para Maranhão e Ceará. Chegamos ao Maranhão pela capital, São Luís, e, depois de uma noite, partimos para Barreirinhas, porta de entrada para os Lençóis Maranhenses (aliás, julho é uma das melhores épocas para se visitar os Lençóis, pois as lagoas entre as dunas estão cheinhas.). Ficamos num hotel chamado Porto Preguiças: bonitão e bem confortável. Como ficaríamos pouco tempo ali, resolvemos tirar o escorpião do bolso (como diz o filósofo Ricardo Freire “numa viagem você acaba gastando aquilo que seus bisavós usariam para reiniciar a vida em outro país”). Às vezes nos damos esses mimos de presente...
No período em que lá estivemos, nos empoleiramos num quatro-por-quatro para chegar aos locais, principalmente às imensas dunas da região. Cenário que parece filme de ficção científica. Nenhum cartão postal ou fotografia de revista havia me preparado para aquilo: lagos cristalinos formados pela água da chuva naquele areião de meu Deus. Depois de um mergulho nessas lagoas, sentir o vento fazendo cosquinha na pele com os grãozinhos de areia era uma sensação incrível.
Dois dias depois, partimos de voadeira para Caburé (ainda no Maranhão), um lugarejo cuja energia elétrica advém de um gerador. Ficamos na pousada Porto Buriti: bem simplesinha, mas muito simpática. Às 10 da noite, o gerador era desligado. O quarto ficava um breu e você tinha que acender um lampião para conseguir tomar banho e escovar a dentadura. Lá fora, ao contrário, um tremendo poste de iluminação natural: a lua cheia.
Queríamos chegar até o Ceará (nosso destino final era Jericoacoara) e acabamos tendo a sorte de ter uma carona até Parnaíba, no Piauí. Renato, o rapaz que nos deu a carona, trabalhava em uma agência cujo nome não me recordo agora, mas, segundo ele, era para “pessoas seletas” e que “viajavam com estilo”. Para bom entendedor: cheias da bufunfa. Olha só a tarefa dele: passar antes em todos os lugares que os clientes iriam ficar e trocar os lençóis por roupas de cama de fio egípcio, redecorar o quarto (até cortina ele trocava), colocar taças de cristal e outras cositas màs (fiquei pensando que diferença fazia o diacho do fio egípcio e da taça de cristal naquele fim de mundo...). Ah, outro fato curioso: ele trazia de São Paulo um chef de cozinha. Não queria expor a clientela ao “risco” da cozinha local. Ele nos contou que tinha preparado, para um de seus clientes, um super jantar nas dunas. Sua equipe tinha fincado umas mesas, no começo da noite, nas dunas, disposto os pratos e taças conforme manda o figurino e então servido o rega-bofe. Olha, eu não sei vocês, amigos, mas eu achei o fino do brega comer camarão empanada na areia (lá venta para caramba!). A finesse tem seus mistérios...
Foi engraçado, porque logo que chegamos em Jericoacora, eu abri uma revista na pousada e encontrei uma reportagem do famigerado Ricardo Freire. E ele dizia mais ou menos o seguinte: quanto mais você gasta para estar num lugar, menos você se aproxima dele. Imaginei aqueles turistas comendo a comida do chef, privados de experimentar a famosa pescada amarela preparada habilmente pelos cozinheiros locais. Estando em Jericoacoara, por exemplo, comemos peixe com pirão maravilhados no restaurante da região, o Carcará, por R$ 16 mangos. Segundo ainda o mestre Freire “ Experimentar a culinária da região é como comer o lugar que você está visitando. A comida e bebida revelam mais sobre a alma de um lugar do que tudo o que você possa absorver com os outros sentidos”. É isso aí, Ricardão!
Viajar exige um desprendimento incrível, uma maleabilidade para se adaptar às diversas situações, experimentar, conversar com os locais, bater perna. Sentir todos os gostos, ver todos os rostos. Arriscar-se, enfim. Olhar o céu (azul ou cinzento) e dizer, à moda caipira: ô mundão, caba não que é bão...